sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Possessão




O cavalheiro doente, na pequena fila de quatro pessoas que haviam comparecido à cata de socorro, parecia incomodado, aflito...
Articulava palavras que eu não conseguia registrar com clareza, quando o irmão Clementino, consultado por Áulus, disse, cortês, para o Assistente:
- Sim, já que o esforço se destina a estudos, permitiremos a manifestação.
Percebi que o nosso orientador solicitava alguma demonstração importante.
Convidados pelo instrutor, abeiramo-nos do moço enfermo que se fazia assistir por uma senhora de cabelos grisalhos, sua própria mãezinha.
Atendendo às recomendações do supervisor, os guardas admitiram a passagem de uma entidade evidentemente aloucada, que atravessou, de chifre as linhas vibratórias de contenção, vociferando, frenética:
- Pedro! Pedro!...
Parecia ter a visão centralizada no doente, porque nada mais fixava além dele. Alcançando o nosso irmão encarnado, este, de súbito, desfecha um grito agudo e cai desamparado.
A velha progenitora mal teve tempo de suavizar-lhe a queda espetacular.
De imediato, sob o comando de Clementino, Silva determinou que o rapaz fosse transferido para um leito de câmara próximo, isolando-o da assembléia.
Dona Celina foi incumbida do trabalho de assistência.
Junto dela acompanhamos o enfermo com carinhoso interesse.
As variadas tarefas do recinto prosseguiram sem quebra de ritmo, enquanto nos insulávamos no aposento para a cooperação que o caso exigia.
Pedro e o obsessor que o julgava parecia agora fundidos um no outro.
Eram dois contendores engafinhados em luta feroz.
Fitando o companheiro encarnado mais detidamente, concluí que o ataque epilético, com toda a sua sintomatologia clássica, surgia claramente reconhecível.
O doente trazia agora a face transfigurada por indefinível palidez, os músculos jaziam tetanizados e a cabeça, exibindo os dentes cerrados, mostrava-se flectida para trás, enquanto que os braços se assemelhavam a dois galhos de arvoredo, quando retorcidos pela tempestade.
Dona Celina e a matrona afetuosa acomodaram-no na cama e dispunham-se à prece, quando a rigidez do corpo se fez sucedida de estranhas convulsões a se estenderem aos olhos que se moviam em reviravoltas continuas.
A lividez do rosto deu lugar à vermelhidão que invadiu as faces congestas.
A respiração tornar-se angustiada, ao mesmo tempo que os esfíncteres se relaxavam, convertendo o enfermo em torturado vencido.
O insensível perseguidor como que se entranhara no corpo da vítima.
Pronunciava duras palavras, que somente nós outros conseguíamos assinalar, de vez que todas as funções sensoriais de Pedro se mostravam em deplorável inibição.
Dona Celina, afagando o doente, pressentia a gravidade do mal e registrava a presença do visitante infeliz, contudo, permanecia alerta de modo a manter-se, valorosa, em condições de auxiliá-lo.
Anotei-lhe a cautela para não se apassivar, a fim de seguir, por si própria, todos os trâmites do socorro.
Bondosa, tentou estabelecer um entendimento com o verdugo, mas em vão.
O desventurado continuava gritando para os nossos ouvidos, sem acolher-lhe os apelos comovedores.
- Vingar-me-ei! Vingar-me-ei! Farei justiça por minhas próprias mãos!... – bradava, colérico.
Repreensões injuriosas apagavam-se na sombra, porquanto não conseguiam exteriorizar-se através das cordas vocais da vítima, a contorcer-se.
Permanecia o cavalheiro plenamente ligado ao algoz que tomara de inopino. O córtex cerebral apresentava-se envolvido de escura massa fluídica.
Reconhecíamos no moço incapacidade de qualquer domínio sobre si mesmo.
Acariciando-lhe a fronte suarenta, Áulus informou, compadecido:
- É a possessão completa ou a epilepsia essencial.
- Nosso amigo está inconsciente? – aventurou Hilário, entre a curiosidade e o respeito.
 
Livro: “Nos Domínios da Mediunidade” Psicografia: Francisco Candido Xavier. Pelo espírito: André Luiz

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